terça-feira, 27 de outubro de 2009

"Muita hora nessa calma"...

Um dia desses, vendo meu filho pintar um desenho, reparei no quanto o mundo moderno tem afetado nossa capacidade de desfrutar das pequenas coisas que poderiam nos dar algum prazer. Embora tenha apenas cinco anos, ele já demonstrava os sinais da intolerância característica dos adultos apressados e estressados. Indeciso quanto à cor que usaria, começou a resmungar dizendo que nenhum lápis do estojo serviria, que queria a “cor de camelo” e ela não estava lá. Então, meio a contragosto, pegou outra cor e começou a pintar, mas reclamava o tempo todo que estava pintando “fora da linha”, que ia parar porque estava ficando feio. Parou por alguns segundos, depois tornou a pegar o lápis e continuou o trabalho. Quando foi pegar outra cor, murmurou que o desenho era muito grande. Largou novamente. Por fim, abandonando a folha e os lápis em cima da mesa, saiu choramingando, inconformado não sei com o quê. Naquele momento ele parecia um velho resmungão, um Hardy da vida. Será que as crianças são realmente impacientes ou somos nós, adultos, que ensinamos a elas a lição da intolerância? Será o corre-corre do cotidiano que nos torna limitados em nossos sentidos, em nossa percepção? Será a agitação da alma que faz com que nossas tarefas diárias sejam transformadas em um fardo?
Ao perceber meu filho tão inquieto, incapaz de completar a tarefa de pintar um desenho, não conseguindo ver nele o colorido que desejava, comecei a refletir sobre minhas próprias atitudes. Quantas vezes me peguei, no início do mês, desejando que ele terminasse para que o próximo pagamento caísse logo na conta bancária. Quando troquei de carro (e financiei o novo em 60 meses), a primeira coisa que me veio à mente foi “tomara que esses 5 anos passem voando”. O almoço é sempre engolido às pressas, a roupa é colocada na máquina de lavar à noite para que possa ser estendida no varal de manhã antes de ir pro serviço, o banho é tomado antes de sair e o horário é sempre corrido, nunca dá tempo de passar o creme hidratante, o batom fica na bolsa, o semáforo é sempre demorado demais, a espera é sempre muito longa, o dia é sempre muito curto. Aliás, eu gostaria de saber quem foi que roubou algumas horas do meu dia.
Quando eu era adolescente eu gostava de sair na chuva, pular o muro prá nadar na casa da vizinha quando ela não estava lá, deitar na grama da Unesp prá admirar a lua, ficar horas no telefone falando com uma amiga que não via há tempos... me entretia lendo o rótulo do sabonete e a fórmula do shampoo enquanto estava no banheiro, lia gibis, contava piadas, comia um lanche feito em casa... Meu filho não consegue nem terminar de colorir um desenho, e ele tem apenas cinco anos. Os filhos são o retrato de seus pais. Reconheço que meus dias estão em “escala de cinza”.
Hoje eu e ele vamos terminar de pintar o desenho que ficou jogado na mesa da sala de jantar.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Lições sobre roubar, comprar e emprestar...

Sempre que vamos ao supermercado eu tenho que avisar logo que saímos de casa: nem adianta dicar pedindo tudo o que vê pela frente, só vamos comprar o necessário. Na verdade eu deixo o Miguel escolher 1 produto que ele queira levar prá casa (daqui a pouco vou ter que fazer o mesmo com a Clara). O problema é que ele sempre fica indeciso: pega o chocolate, depois troca pelo danone, muda de idéia quando vê o salgadinho... e assim vai até chegar ao caixa. Na semana passada fomos ao Extra comprar o leite da Clara - um leite de soja caríssimo que geralmente só encontramos lá. Por incrível que pareça, o Miguel não pediu NADA! Eu estranhei, mas aproveitei a amnésia temporária para sair com uma sacolinha só do supermercado. Quando estávamos indo para o estacionamento ele viu aqueles pirulitos de chocolates na barraquinha de doces.
- Mãe, eu quero, eu quero, eu quero pirulito de chocolate.
A Clara-papagaio foi no embalo:
- Totolate, mamãe... a télu.. (traduzindo: chocolate, mamãe... eu quero...)
Como a barraquinha estava fechada eu nem precisei buscar argumentos.
- Não vai dar prá comprar... tá fechado.
- A gente pega um e sai correndo, ué...
Surpresa, eu reprovei:
- Que é isso, Miguel! Pegar sem pagar é roubo, meu filho!
Ele, todo sem graça, consertou:
- Não, mãe, eu escrevo um bilhete assim, ó: "Oi, aqui é o Miguel. Eu peguei um pirulito de chocolate, mas é só emprestado. Amanhã eu volto prá pagar, tá. Um beijo. Tchau."
- Num dá prá fazer isso, meu filho.
Enquanto ele resmungava, eu comentei com o Dê:
- Já pensou se a moda pega? Os caixas de supermercado vão ficar cheios de bilhetinhos...
E ele completou:
- E eu quero ver quem é que volta prá pagar...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Lições sobre medo...

No mês passado precisei, pela primeira vez desde que casei, comprar "Diabo Verde" para desentupir o vaso sanitário. Eu nem sabia direito como utilizar, mas uma coisa deve ser dita: funciona mesmo! Agora podemos usar o banheiro sem preocupações.
Por falar nisso, estou tentando fazer com que o Miguel use mais o banheiro sem precisar ser "empurrado". Eu explico: ele segura o xixi até o último momento e, quando está quase molhando as calças, começa a sapatear e fazer uma dancinha engraçada. Então eu, com cara de brava, mando ele correr pro banheiro e só então ele vai fazer xixi. Em uma noite, pouco antes de dormir, ele começou a "dançar". Eu logo dei a ordem:
- Vai já fazer xixi, Miguel, antes que você faça na calça.
Ele correu pro banheiro e o Dê, lembrando do vaso sanitário entupido, alertou.
- Vai no outro, filho, que esse num tá funcionando.
Eu expliquei:
- Não, Dê, deixa ele usar esse mesmo que eu coloquei o "Diabo Verde" na privada e já desentupiu.
Ele foi, abaixou as calças, a cuequinha, sentou e, de repente, começou a gritar.
- Mãe! Mãe! Mãe!
Eu corri prá ver o que era.
- Fica aqui, mãe, senão o diabo verde vai beliscar o meu bumbum.
Eu comecei a rir e, mostrando o frasquinho do produto, expliquei:
- Não, filho, num tem diabo verde na privada. O "Diabo Verde" é isso aqui.
- Ah, mãe, você tirou ele da privada e prendeu nesse potinho?
Quase sem conseguir falar de tanto rir, eu abri o frasco e mostrei o conteúdo.
-Filho, "Diabo Verde" é o nome desse pozinho que desentope a privada.
Ele suspirou aliviado. E eu fiquei só imaginando o diabinho sendo carregado pela descarga junto com o xixi do Miguel...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Lições sobre dinheiro...

Desde que ganhou um cofrinho e um saco de moedas do tio, o Miguel só fala em "receber". Quando vamos buscar o Dê ele dá um jeito de ir até a produção e "trabalhar" um pouco. Depois pergunta se já está na hora de receber o salário. E se, por algum motivo, eu ou o Dê pegamos uma moedinha sequer do bendito cofre, ele logo diz que estamos "devendo" prá ele. No meio de tudo isso, procuramos conscientizá-lo sobre o valor do dinheiro e mostrar que ele não precisa se preocupar com isso agora, afinal de contas haverá muito tempo prá trabalhar no futuro. Ainda assim ele não perde a chance de pedir uma moeda ou, quando está mais "cara-de-pau", uma nota pro tio.
Hoje, durante a tarde, ele pegou um bloquinho de papel e caneta e começou a escrever uns números bem grandes: 1 0 1. Depois me mostrou e aproveitou prá perguntar:
- Quanto tem aqui, mãe?
- Cento e um reais, filho.
- É bastante, mãe?
Eu valorizei:
- É bastante, filho... muito mesmo!
E ele completou:
- É mesmo, né, mãe! É mais que uma mula!
Eu dei risada:
- Que é isso, Miguel? De onde você tirou isso? Mais que uma mula?
- Claro mãe. Por acaso a gente tem uma mula?
- Não, filho... é claro que não.
- Pois é. A gente não tem uma mula porque custa bastante dinheiro. Mas agora eu tenho muito dinheiro, né, mãe?
E eu, depois da explicação, concordei:
- Tem sim, filho. Mais que uma mula!